Eu tenho muito a dizer sobre o jornal onde trabalhei nesses tres meses em Berlin. É tão diferente do jornalismo que eu já tinha ouvido falar que temo me esquecer de algo quando relatar sobre o taz. O jornal surgiu de uma cooperativa em 1987 – mas isso qualquer um pode digitar o Google e verificar. As páginas do taz praticamente não tem anúncios publicitários: Eles se sustentam com o dinheiro de doadores – e são mais de 12 mil! Além disso, há os assinantes e a venda em banca. É editado de segunda a sexta e tem uma edicão especial no final de semana: taz am Wochenende.
O taz circula em toda a Alemanha, é um dos seis jornais nacionais do país. Tem uma visão um pouco de esquerda, mas, que no meu ponto de visto, nada lembra o significado dessa palavra. Eles não são pró-comunismo ou idolatram o Che Guevara. Como uma colega muito bem definiu: “O taz apenas mostra ao leitor como pensar de outro jeito, não do jeito que todo mundo está pensando”. Complicado? Não se voce entende o que se passa na mídia alemã.
Há uma televisão e uma rádio pública, que produzem conteúdos de qualidade. Daí tem a Axel Springer, dona do Bild e do Welt. Assumidamente de direita. Aliás, um colega que já trabalhou lá me disse que fazem os jornalistas assinarem um documento, quando do contrato, alegando que voce é pró-Israel e Estados Unidos. Não sei se é verdade, mas não duvidaria. Depois há o die Zeit, com matérias interpretativas gigantes, o Süddeutschen Zeitung, editado no sul da Alemanha, e o der Tagesspiegel, motivo do irritamente da Axel Springer, já que eles não cobram pelo conteúdo publicado na Internet. Sim, agora é moda cobrar por conteúdo de Internet, como no Brasil.
Voltando ao taz: Nós (posso me incluir?!) não cobramos por conteúdo da Internet, o leitor pode ler à vontade. No entanto, sempre aparece uma janela sugerindo que voce contribua. Se quiser, beleza. Se não, le na mesma. O jornal impresso, na banca, custa 1,60 euros. O mais barato da Alemanha, o Bild, sai por 0,70. Para quem não conhece, o Bild é o jornal que inspirou o Diário Gaúcho: mulher, futebol, sangue, fotos grandes e pouco texto.
O taz é conhecido por suas manchetes fortes. Eles são pequenos, com pouca estrutura, mas influenciam mundo afora. Aliás, os jornalistas do taz tem o menor salário da categoria na Alemanha. “Somos um jornal pobre”, me justificaram. Enquanto um jornalista do Spiegel pode ganhar mais de 4 mil euros, no taz os salários ficam em torno dos 1,5 mil euros. Mas, veja bem: Antes de julgar e dizer “NOOOOSA, QUE MÁXIMO”, saiba que os impostos na Alemanha para solteiros chegam a 40%. Isso mesmo. Ah, e tem diferenca de imposto para solteiros e casados. Ah, e mais: Não é necessário fazer faculdade de Jornalismo para ser jornalista. Por aqui, isso é ofício, que se aprende fazendo. No taz trabalham engenheiros, informáticos, economistas, sociológos, historiadores, especialistas em diversas áreas, usw. (usw = etc, em alemão).
As reuniões de pauta são abertas ao público. Sempre há grupos de escolas e universidades para ouvir. Os jornalistas sentam todos em mesas colocadas de modo a formar um círculo e os demais ficam em cadeiras, mais atrás, em volta da big mesa. Eu sempre acho mais animado quando a Ines Pohl, chefe da Redacão participa. Ela grita. Gosto do tom da voz dela em alemão. Ela comanda só com o olhar. Todos podem falar e debater o tema. Sempre há um Hausaufgabe (tema de casa), ou seja, um assunto que todos deveriam refletir sobre para chegar a uma conclusão na manhã seguinte e publicar. Quase todos os dias, alguma pessoa faz a leitura crítica do jornal. E metem o pau, se for necessário.
Eu levei a sério o trabalho aqui. Mesmo sabendo que o maior pinto do mundo está pendurado na lateral do prédio. Aliás, há testículos ali também, partes da estátua de um homem nu. Os turistas que passam pelo Check Point Charlie, que fica mesmo aqui ao lado, sempre fotografam. “Olha o pinto”, alguns dizem (traducão livre). Eu, quando estou na janela, abano. Ontem brinquei com meu chefe: “Eu sou famosa no Japão, depois de aparecer em tanta fotos com o big dick”.
O pintão
Ontem, entreguei meu final report do programa. Falei bem do taz. Não teria como falar mal, pois as coisas por aqui são tão diferentes do que eu estou acostumada, que tive que aprender tudo. Não tem nem como comparar para definir se isso ou aquilo é melhor ou pior. No report, esqueci de agradecer aos colegas daqui. Eles foram demais. Obrigada por aturar a brasileira que rompeu com a lei do silencio na redacão. A responsável por mim aqui, Doris, esses dias foi questionada: “Mas todos os brasileiros falam assim tanto quanto ela (eu)?”. Ela disse, certeira: “Não. Ela que fala demais”. Fato é que estou falando menos. Bem menos. E me acostumei com o silecio. Vai ser uma dor de cabeca voltar à gritaria do Brasil.
Entreguei o final report também ao meu chefe do taz. Ele disse: “E o que eu faco com essa merda?”. Eu, bem simpática: “Tu le e depois usa como papel higienico”. Ele riu. Logo nos meus primeiros dias perguntei o que eu deveria fazer com os jornais velhos, pois não sabia se guardavam ou colocavam no lixo. Ele disse: “Leva pro Brasil e usa como papel higienico”. Naquele dia, eu demorei um pouco a rir.
Bom, ele leu ontem a noite e me devolveu hoje pela manhã. Kai e Beate, os chefes, disseram-me: “Muito bom teu texto. Vamos enviar a todos do jornal”. E colocaram no grupo de e-mails públicos para todos lerem as minhas impressões sobre a Alemanha, taz e IJP. Enfim, as quatro folhas de papel que entreguei a ele ontem acabaram retornando a mim. Ninguém usou-as como toilet paper 🙂
Sexta-feira é meu último dia por aqui 😦