“Tu tem sorte de nao ter morrido”, disse Marina durante nosso jantar, sábado a noite. Eu acabara de a conhecer. Algumas horas antes, trocamos algumas palavras em frente ao Portão de Brandemburgo. Ela me perguntou: “Tu é jornalista?”. Eu disse que sim. Uma meia hora depois, convidei-a para uma lenta volta turística pela cidade, já que ela e a amiga só ficariam mais 24 horas em Berlim. Lenta porque meu joelho não está 100% desde que torci o quatríceps e rompi alguns ligamentos.
Andamos por Berlim até os pés delas ficarem molhados demais para continuarmos. Uma coisa que aprendi por aqui é que as botas sempre devem ser as melhores. A grossura do casaco e do cachecol pouco importa. Se os pés estiverem quentes, dá para enfrentar temperaturas negativas sem pestanejar. Paramos em um restaurante, em Hackescher Markt. Não o escolhemos, entramos rapidamente no primeiro que as duas enxergaram. “Não é só a bota que está molhada, minhas quatro meias também estão”, disse Elisa, a companheira de viagem de Marina.
Já na mesa, pedimos comida e bebida. Para variar, desatei a falar sobre os últimos acontecimentos da minha vida. Entre eles, o joelho. Naquela noite, eu havia pré-combinado uma festa com um amigo alemão. Estava ainda na dúvida sobre ir ou não por causa do “pequeno problema” que me faz mancar diariamente Berlim afora. No entanto, sempre fui daquelas sem tempo ruim: para derrubar minha empolgacão, só uma segunda-feira de alagamentos e umidade a 94% em Porto Alegre. Ponderei por uns momentos e disse: “Vamos na festa, gurias?”. As duas se olharam com aquela cara de quem gostaria de aceitar o convite mas sabe que não deve. “Nós estamos a 40 horas sem banho, dormimos noite passada no trem e queremos visitar o Chechpoint Charlie amanhã cedo”, responderam, não em coro, mas sintonizadas. Ela partiriam para Bremen às 16h de domingo. Aceitei o fora, em especial porque me solidarizei com a parte do banho – se eu fico 24 horas sem lavar meu cabelo, tenho vontade de morrer.
Na sequencia, veio a pergunta, que não foi bem um questionamento, mas um conclusão após ouvir alguns minutos de tagaleramento de minha parte. Por primeiro, Marina disse: “Mas como tu foi fazer isso com o joelho?”. Logo após eu dar um pequeno sorriso de canto de lábio, ela concluiu sozinha: “Tens é sorte de não ter morrido”. Dessa vez, fui eu que fiquei em silencio, martelando a frase na minha cabeca. Percebi que ela tinha razão. O problema no joelho me parece mais um freio para eu me cuidar. Não que eu seja irresponsável ou completamente sem nocão, mas eu sei muito bem que não respeito meus limites – tanto que fiquei 20 dias andando por aí com ligamentos rompidos/doloridos/inflamados. Se existisse um termo para me definir seria lifeholic.
Enfim, fato é que eu fui na tal da festa. Depois do jantar, as acompanhei até a Alexander Platz para tomarem o U-Bahn adequado. Segui para casa sozinha. Com dor de cabeca. Foi a primeira vez que tive isso aqui. Horrível. Creio que culpa do vento. Tomei aspirina, que é a única coisa que consigo comprar sem receita na farmácia, e fui dormir. Descansar das 21h à meia-noite me pareceu uma boa ideia, no entanto, como existe a opcão “soneca” no despertador, meus planos quase naufragaram. Meia-noite e meia acordo com meia hora para estar na porta do lugar. Seria impossível se eu tivesse que arrumar o cabelo, maquiar e escolher roupa por horas. Apenas meti a primeira coisa que vi, seguido de duas pinceladas de preto no olho. Saí de casa.
Congelei meus pés por 40 minutos na fila antes de entrar no Naherholung Sternchen. Tinha neve no chão. Aliás, neve não, gelo. Pensei que nunca mais voltaria a ter circulacão sanguínea nos dedos dos pés, mas, confesso, por nenhum momento passou pela minha cabeca pensamentos como “eu poderia estar dormindo”. Não, eu não posso dormir num sábado a noite em Berlim. Já dormi em alguns, mas isso é algo a ser evitado.
Não encontrei meu amigo. Entrei na festa lá pela 1 e meia. Ele ainda nem tinha chegado. Aliás, enfrentaria a mesma fila que eu para entrar. Como sempre, tive sorte. Encontrei duas amigas na festa. Mais tarde, encontrei outro cara que conheci esses dias em um bar. A parte azarada foi que, apesar da música ser boa, eu fiquei boa parte da noite sentada. Não aguento muito tempo de pé. Tenho que colocar o joelho para cima.
O Naherholung Sternchen é uma espécie de casinha com um porão gigante que fica em Mitte, o “meio” de Berlim. Tem duas pistas de música eletronica, uma mais agitada com gente sacudindo tipo louca, e outra para cristãos – se é que isso existe em um lugar como esse. É permitido fumar. Aliás, fumar qualquer coisa. O preco da bebida é o normal: cerca de 6 euros para uma mistura de vodca, cervejas a 2,5. Os olhos lacrimejam um pouco na pista de danca por causa da fumaca. Aliás, as coisas ficam um bocado nubladas lá dentro, como se uma grande nuvem pairasse sobre o espaco. O lugar parece destruído e mal cuidado, como a maioria das danceterias berlinenses. Paredes mal pintadas, sofás detonados. Apesar disso, os banheiros, como sempre, seguem o padrão alemão: limpinhos e com papel. Todo mundo danca, muito, o tempo todo.
Lá pelas 3 e tal, meu amigo alemão me envia uma mensagem: “Entrei. Onde tu tá?”. Esse tipo de recado sempre resulta em duas pessoas procurando uma pela outra com a certeza que vai resultar em nada. Avisei que estava no bar, mas já não estava mais lá quando ele leu a mensagem. Enviou outra, mais tarde, dizendo que não me viu. Obviamente, não nos encontramos. Deixei a festa às 4h, de táxi. Outro amigo me enviou mensagem no domingo, às 11h da manhã. “Onde tu tá?”, questionou. Eu, em casa, respondi exatamente isso. E ele: “Eu acabei de sair da festa”.
Servico:
Naherholung Sternchen
Berolinastraße 7
10178 Berlin / Mitte
(Ubhf- Schillingstraße hinter Kino International / Rathaus Mitte)